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Caroline Arantes

Sócia, advogada e professora.

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Artigo escrito pela advogada Dra. Caroline Arantes para o jornal Estadão.

Proteger a medicina e a odontologia da criminalização infundada não significa blindar maus profissionais. Significa garantir que especialistas continuem promovendo saúde, função e autoestima, sem que cada agulha represente uma ameaça à liberdade.

A busca por bem-estar e estética facial transformou a Harmonização Orofacial (HOF) em um dos procedimentos mais desejados do Brasil. Reconhecida como especialidade pelo Conselho Federal de Odontologia (CFO), ela é conduzida por cirurgiões-dentistas e médicos com domínio técnico e respaldo científico para garantir segurança e eficácia.

Mas um movimento silencioso e preocupante vem ganhando força: a criminalização do ato profissional. Intercorrências comuns — como inchaço, hematoma ou desconforto temporário — passaram a ser enquadradas como lesão corporal, arrastando casos para a esfera penal.

O Código Penal tipifica lesão corporal como ofensa à integridade física. No entanto, a HOF, por definição, envolve microperfurações e reações inflamatórias controladas, já previstas e aceitas pelo paciente. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) formaliza essa ciência e anuência, afastando o caráter ilícito. Um edema ou pequena cicatriz transitória não é crime — é resultado natural de um procedimento técnico consentido.

Transformar consultórios em “cenas de crime” por efeitos esperados distorce o papel da Justiça. Se a possibilidade de ações cíveis já incentiva uma medicina defensiva, a ameaça de prisão paralisa o exercício profissional, limita o acesso a tratamentos e sufoca a inovação.

É fundamental diferenciar má prática — como negligência, imperícia, uso de produtos proibidos ou danos graves – de efeitos colaterais normais. A responsabilização criminal é necessária quando há erro real, mas perigosa quando usada como instrumento de intimidação.

Cabe às autoridades e ao Judiciário conter a banalização do conceito de lesão corporal, reconhecendo a legitimidade de atos realizados por profissionais habilitados, dentro dos protocolos técnicos.

Proteger a medicina e a odontologia da criminalização infundada não significa blindar maus profissionais. Significa garantir que especialistas continuem promovendo saúde, função e autoestima, sem que cada agulha represente uma ameaça à liberdade.